07.02.2023
Há sempre algo de trágico nas narrativas centradas em vidas não vividas. Sejam quais forem as razões que impedem estes homens e estas mulheres de viver as suas vidas (elas variam de autor para autor: há dias em que sou mais tchékhoviano, outros em que sou mais jamesiano, outros, ainda, em que sou definitivamente huysmaniano), está sempre em causa uma desadequação, um desarranjo, uma cisão, uma incompatibilidade entre o sujeito e a vida, ou, talvez mais especificamente, entre o sujeito e o viver. O que não significa que ele não viva — que não ame, que não sofra, que não sonhe nas suas noites brancas. Vive, sim, a vida invisível, aquela que não é quantificável, que muitas vezes não é sequer qualificável.
Não é, por isso, de estranhar que várias destas personagens encontrem nas imagens, e particularmente nas fotografias, a sua morada possível. Perante a imagem, não sentimos essa insuficiência ontológica, essa dívida para com a vida ou o viver. Não somos confrontados com a vertigem horrífica do nosso corpo e do corpo do mundo. As imagens oferecem-nos um espaço e um tempo que podemos frequentar. Podem conter violência, mas não são violentas. Elas afectam-nos, é certo, mas não constituem uma ameaça, porque elas vivem uma vida invisível e incorpórea que, sendo singular e característica, é análoga à nossa.
Na fotografia, uma das flores que ofereci à minha mãe neste aniversário. São amaryllis — uma glória da forma e da beleza — que, como acontece a tudo o que é vivo, vão fenecer em breve.