Eduardo Brito — Domingo, 20 de Julho de 1969
Ou a solitude de Michael Collins, o terceiro astronauta da missão lunar Apollo 11. Por estar encarregado de pilotar o Columbia, o Módulo de Comando da expedição, foi o único que ficou em órbita e não tocou a Lua. Na Terra, a História fugiu-lhe como um sopro de vento.
O aviador Charles Lindbergh dir-lhe-ia: ‘a sua parte da missão foi a de maior profundidade: experienciou uma solidão até então desconhecida para os seres humanos’. É que minutos depois da alunissagem do Eagle, de onde sairiam Neil Armstrong e Buzz Aldrin, o Columbia entrou na outra face da Lua, a quatrocentos mil quilómetros da Terra. Massa lunar e distância cortaram a Collins a vista e todas as comunicações, até com os colegas de missão.
Então, escreveu: ‘estou agora verdadeiramente a sós, afastado em absoluto de qualquer forma conhecida de vida”.
Nunca ninguém, na história da espécie humana, esteve tão sozinho no Universo. De um lado na sua cápsula, o assombro da proximidade da Lua, iminência obscura. Do outro, a solitude sem fim.
Um ser humano suspenso num domingo, planetas e estrelas ao longe, o vácuo e a desmatéria, o fim do tempo.
Michael Collins temia ser o sobrevivente errado e voltar à Terra sem os colegas. O não-mártir. “Se Buzz e Neil não conseguissem regressar da superfície ou colidissem com ela e morressem, não iria cometer suicídio; voltaria para casa imediatamente, ainda que soubesse que iria ser um homem marcado para o resto da vida”, escreveria anos mais tarde.
O fim da aventura é conhecido: Aldrin e Armstrong regressaram à Columbia. O momento foi registado pelo terceiro homem, numa fotografia onde tem à frente todas as pessoas do mundo, tirada num duzentos e cinquenta avos de segundo, com abertura de diafragma a onze. Diz-se que Collins é o único humano, vivo, morto e por viver, que não está na imagem. De novo a solitude, desta feita como fotógrafo. A pessoa atrás.
De volta à Terra, Michael Collins começou a ser esquecido, a desaparecer, como a erosão de uma fotografia ou de uma pedra. Nas palavras de um jornalista, o mais solitário dos humanos “não padeceu do fado da celebridade global”.
Patricia, a companheira, recebeu-o num abraço à chegada. Não o deixou cair. Passou a espera, Ulisses do outro lado do mito: ela é Penélope, olha para nós como tal. À sua frente estamos, todas as pessoas do mundo.
No Domingo, 20 de Julho de 1969, o astronauta Michael Collins experimentou nas grandezas físicas o que muitos de nós já sentiram em espírito. Talvez à noite, talvez aos domingos, insones de olhos abertos na escuridão, não necessariamente sozinhos, ao reconhecer a proveniência de cada ranger da madeira, de cada dilatação da parede, de cada insecto que zumbe, de cada carro que se faz ouvir ao longe.