Isabel Araújo Branco — Swing out em Lisboa

Não está escuro nem claro. Não estás parado nem a andar. Não te moves racionalmente nem por decisão. Deslizas, rodas, mexes-te sem saber como, comandado pelo ritmo, como uma marionete que não sabe o que faz, numa espécie de quase espelho com o outro. Quase, porque não há reflexo, mas sim correspondência, um leva, o outro deixa-se levar, uma inconstância constante, um estar e não estar mas existindo sempre, a intermitência fantasmagórica, o movimento permanente. A permanência do movimento, da dança, do controlo e simultaneamente do descontrolo sobre ti e sobre o outro, o prazer no corpo que contamina a mente, o tomar o espaço e vivê-lo no absoluto — a cave, o coreto, o chão liso à porta do convento, a colectividade de bairro prestes a ser engolida pelo exterior —, com o bounce a distender-te as pernas, uma volta no ar, um jogo contigo próprio levando um parceiro pela mão. Estás e não estás. Sorris pelo que sentes, sem vergonha do suor que escorre, ali, ao lado do outro. Continuas e não queres que a canção termine, viciado na sensação do movimento, do que o teu corpo consegue fazer, do swing out muito distante do tantas vezes ensaiado. Estás e não estás, porque não paras, és sempre outro e outro mais, ao lado de muitos outros, corpos duplos que sorriem e dançam, células prestes a separar-se sem se multiplicar em mais um passo de lindy hop.

Pára a música. Um abraço, um sorriso, uma garrafa de água. Tudo longo e bem sentido. Acabou o movimento, já cá estás completamente. Um novo fantasma surgirá numa nova dança.

Isabel Araújo Branco

CHAM, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa

Previous
Previous

Isabel Minhós Martins — Nem todos os lençóis cobrem fantasmas

Next
Next

Paulo Faria — Judeus não há, alemães também não (Polónia, 2023)